sábado, 21 de agosto de 2010

Alguma verdade

Não podem existir autobiografias exatas.
O homem mente sempre, quando fala de si mesmo. (Heine)

Hoje descobri que sou um covarde. Não desses covardes que tremem de medo e que enfiam o rabo entre as pernas. Sou um covarde que treme, isso sim, mas tremo de emoção, tamanha a potência de minha covardia. Tremo só de pensar nas coisas que quero possuir, mas que me são distantes, em verdade, inalcançáveis. Ora, mas por quê? Pergunto-me em tom de censura. Então será que sou um rato? Pior que isso, pior que isso, meu Deus. Um rato, sim, um rato ao menos é audacioso, pega o que quer e foge. É um herói. Tem a coragem de dar as caras. E eu? Veja só isso, Leila, nem mesmo tenho a coragem de mostrar a cara, a verdadeira. Sabe meu nome? Claro que não, se sou Centelhas do Outro. Ora, mas veja que até mesmo o Outro, a fonte de onde escorre tanta covardia, não passa de um covarde de marca maior. Usa-me, o traste. Expõe-me ao ridículo. Faz-me escrever tolices, faz-me acreditar que o sopro de sua palavra tem valor, na esperança de ouvir o ouro falso, tudo para que seu ego engorde. Um tolo. Que quer o artista? Sim, caíamos na real. O que quero Eu, Eu, Eu, o escritor? Ah! Quero holofotes. Quero bajulação. Quero reconhecimento. Quero fama. Quero a palavra forte, aquela que tem peso, mesmo que o que eu diga seja a maior asneira. Ora, ora, ora, isso acontece muito por aqui. Qual o seu processo de construção do texto? Bem, bem, vai respondendo o escritorzinho, como se o ato de escrever estivesse sob o domínio da razão. Ele não percebe os mil demônios, e pensa que cria personagens, quando, em verdade, são os demônios de si, brotando do escuro da memória. Ah, mas isso é só ficção, realidade é outra coisa, ele diz. É um tolo a levantar fronteiras. Pensa que manipula... Olhe para mim, Leila, arranca-me daqui, destrua-me, se for capaz, pois estou cansado de ser personagem do Outro. Preciso ser Eu, Eu, Eu. E ter a coragem de dizer que te amo. Mas, como pode ver, sou um covarde. Se ao menos eu fosse um rato, roubaria o seu amor... Sim. Sim.

Um comentário:

  1. Gostaria de conhecer você, na noite do lançamento de meu livro. Grande abraço.

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