Acordei acometido por repentina tosse. Repentina naquele momento, pois ela me castigava fazia mais de um mês. O gosto adocicado na boca me assustou. Era sangue.
– Tossi sangue, disse assustado à minha mulher, que dormia num colchão, na sala.
– Sangue?
– Sim. Sangue.
Tossi outras vezes, para ver se saía sangue, mas não saiu mais nada.
– Deve ter sido um vaso que se rompeu, ela disse. Venha deitar.
– Não, já é hora de ir trabalhar.
Pegar ônibus no fim de linha é melhor. Perto de casa ele já passa muito cheio. Por isso, fui andando até o fim de linha. No meio do caminho, a tosse voltou, incontrolável, molhada. Cuspi para ver se tinha sangue. Por um momento imaginei ver uma cusparada vermelha, mas logo constatei que o cuspe era branco, ralo. Outras vezes cuspi, mas o sangue tinha ido embora.
No fim de linha a fila do ônibus era enorme e confusa. Posicionei-me atrás de uma mulher que conhecia de vista e de rabo. Impossível conhecê-la de outro jeito. Era horrível de cara, salvava-a o traseiro, que uma vez roçou-se em mim e pude sentir que era firme e quente. O sangue subiu-me à cabeça.
O ônibus chegou, mas não teve jeito, quando cruzei a borboleta, todos os bancos já estavam ocupados. Posicionei-me na frente, pois logo o carro ficaria socado. Para azar de todos nós, começou a chover.
– Fecha a janela! Gritou um passageiro que recebeu uns pingos de chuva.
– Tem que deixar um pouco aberta.
– Quer que a gente morra sufocado?
– Ainda mais a doença solando do jeito que está!
– O ar tem de circular.
– Mas não posso me molhar, posso? Respondeu o homem que recebera os pingos de chuva.
– Deixa a janela aberta, porra!
E o ônibus começou a inchar. Muitos braços levantados, como se estivéssemos sendo vistoriados pela polícia. O ar começou a faltar. Todos já suando; alguns, suores fétidos; outros, perfume forte e barato. E eu no meu canto, sufocando, oprimindo o peito para não tossir perto de alguém. Segurei o mais que pude, até que não agüentei e explodi. O catarro vermelho saiu de minha boca num jato forte e foi bater nos cabelos da mulher grávida sentada na cadeira do canto.
– Ai, que nojo! Ela disse, pegando os cabelos pelas pontas, afastando-os de si.
Eu nem pude lhe dizer nada, pedir-lhe desculpa. Só queria ar livre para poder tossir com liberdade. Mas o trânsito estava parado, chovia lá fora e todas as janelas estavam fechadas.