sábado, 11 de setembro de 2010

Sinal vermelho

Entre carros que passam nervosos, eles se veem, cada um em um lado da rua. Na outra pista, na frente dos carros, o malabarista pintado de palhaço. Bolas azuis, vermelhas e brancas sobem e descem, acomodando-se na mão do artista, que as acolhe na mais segura cumplicidade. Ambos são íntimos: bolas e mãos. O vento vem do Atlântico e sopra as folhas das árvores. O letreiro da vídeo locadora balança. As bolinhas do malabarista são forçadas a atônito desequilíbrio, mas as mãos do homem, franzino e colorido, as protege do estardalhaço de uma queda. Aliviado, ele as guarda nos grandes bolsos do seu macacão vermelho e amarelo. Sorri para os carros à sua frente, na esperança de receber uma moeda. Pela pequena fresta do vidro surge, feito mágica, uma moeda de 50 centavos. O palhaço faz um gracejo, acompanhado de largo sorriso. O vermelho dá lugar ao verde. O malabarista corre para a outra pista, posiciona-se na frente dos carros e o show recomeça. Os cabelos dela esvoaçam. Em vão tenta fazer um coque na nuca. – Mas que vento! ela diz. Aspira fundo e sente no ar o cheiro que vem da praia. Entre o passar veloz dos carros, ele a vê, surgindo e desaparecendo. O seu filme é ela, no quadro a quadro de uma película defeituosa: levantando o braço direito; a mão esquerda indo à cabeça; o rosto displicente, de perfil, voltado para a igreja. E, no virar para a frente, ele a vê toda. Vê o seu olhar traçando um caminho que passa por ele, arrastando-o. Lembra-se de quando era menino e matava os vaga-lumes. Imobilizáva-os  no chão, pisava-os com força e traçava um rastro de luz verde sob seu pé, que aos poucos ia se apagando. – O seu olhar é uma estrada de luz, ele pensou. Sentindo os lábios ressequidos pelo sal que vem do mar, ela molha-os com a língua. Agora, seus lábios estão desertos. Estranhos passam por eles. Meninos que cheiram cola na praça se aproximam dela. Ele se preocupa, mas só. Ela agora é terra distante. – Sai daí! Sai daí! ele quase grita, em silêncio. Sem pensar, seu braço afugenta pássaro: xô, xô, sai daí! Recolhe o braço e a insensatez. Ela vê o letreiro abóbora da agência bancária se acender. As luzes na praça se acendem. A fonte luminosa esguicha água em jatos coordenados, acompanhando o ritmo da música. Na esquina da calçada onde ele está, pessoas se aglomeram em redor do carrinho de cachorro quente. Pessoas começam a chegar para o teatro. O movimento fica intenso. Pessoas indo e vindo, desencontrando-se indiferentes. – Mas que interessante! dizem ao mesmo tempo, voltando os olhos para a igreja, que começa a tocar a Ave Maria no badalar do sino. E se olham tranqüilos, duas crianças que compartilham a novidade, já esquecidas da briga. Mas logo o badalar final desfaz os sorrisos. Paira entre ambos mais que o rígido metal dos veículos, que passam ligeiros. No meio da pista, no final do show do palhaço, quando as bolas sobem e descem, um breve desequilíbrio, e elas caem. – Óóó! quase se ouve no íntimo de cada espectador. – Lamento muito, meu amor, ele diz. – Fechado! dizem, e avançam decididos. Cruzam a rua. Passam lado a lado, mas nada se dizem, não se esbarram, nem mesmo se olham.

2 comentários:

  1. Uma sensação que já tive, de estar cruzando com alguém "mágico" que eu deixo de ver pelo meu excesso de realidade.
    Muito bacana!! Gostei!! :)
    bj.

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